MEENOS – Recomendações

I – A origem do projeto e o percurso realizado

No dia 04 de junho de 2024, no seu discurso de tomada de posse, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, João Cura Mariano, fez um apelo à clareza e compreensão das decisões judiciais. A partir de então esse apelo tornou-se um desígnio do Conselho Superior da Magistratura.

Nesse contexto, os Serviços de Inspeção assumiram o compromisso de apoiar a mudança de paradigma. Surgiu, deste modo, o Projeto “MEENOS” (Memória para uma Escrita Natural, Óbvia e Simples) – Para uma linguagem clara e eficaz na Justiça.

Assim, com o objetivo de criar ferramentas úteis na elaboração de decisões judiciais compreensíveis pelos seus destinatários, os Inspetores:

– Recolheram e analisaram inúmeras decisões;

– Procederam à análise comparativa das medidas já implementadas em diversos países (Inglaterra, Espanha, Bélgica, Noruega, Brasil, entre outros) e instituições e debateram orientações preconizadas em estudos sobre a matéria;

– Para uma discussão alargada sobre a temática, realizaram várias reuniões entre o grupo de trabalho e outros elementos da comunidade judiciária com pensamento crítico sobre o tema;

– Esboçaram, depois, futuros textos de apoio contendo recomendações de ordem prática para a elaboração de decisões com as pretendidas características de clareza, naturalidade, concisão, precisão e firmeza, sem perda do intransponível rigor jurídico.

– Os resultados alcançados foram submetidos à apreciação de juristas, linguistas e/ou destinatários das decisões judiciais e várias sugestões foram sendo incorporadas nos documentos de trabalho.

No âmbito do projeto foi também criado um grupo de trabalho dedicado ao legal design e à uniformização de um layout identificador das decisões provindas dos tribunais.

Abriu-se, por último, um amplo debate sobre o tema através da realização de mesas-redondas, com participação de académicos e práticos (entre estes, magistrados, assessores no Tribunal de Justiça da União Europeia e no Tribunal Constitucional e membros do GATEP – Grupo de Apoio à Tramitação Eletrónica de Processos). Estas mesas-redondas decorreram e estão a decorrer não só nas Comarcas, como também nos Tribunais da Relação.

Conforme prometido, no Encontro do CSM divulgamos os resultados alcançados.

II – Razões da relevância deste projeto

O direito (humano) a entender, pilar fundamental do acesso à justiça e ao pleno exercício dos direitos, e o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais impõem à magistratura o uso de uma linguagem transparente, de uma linguagem clara.  

Por outro lado, democratizar o acesso à informação é um fator básico para promover a participação dos cidadãos num Estado de Direito. A modernização da linguagem jurídica, no sentido de tornar compreensíveis para todos os destinatários as razões da decisão judicial, é, pois, uma obrigação de cidadania nas sociedades democráticas.

Acresce que a linguagem ambígua e rebuscada é um dos fatores que contribui para a falta de confiança nas instituições – suspeita-se do que não se compreende. O esforço de clareza contribuirá, portanto, a médio e longo prazo, para a melhoria do sistema na sua globalidade.

Na verdade, ao sermos compreendidos convenceremos aqueles que são os destinatários das nossas decisões de que estas não são arbitrárias, mas antes o culminar de um processo racional assente no ordenamento jurídico vigente. Desse modo, nos legitimaremos e melhor cumpriremos a nossa função pacificadora.

E não se diga que a modernização da linguagem dos tribunais será feita à custa da precisão jurídica e da profundidade da argumentação: há um conhecimento especializado veiculado por terminologia própria de que não se prescinde e a argumentação que se preconiza não é simplista, pressupondo, pelo contrário, a aplicação do direito ao caso concreto através da problematização que este exija.

O que se pretende é que a linguagem clara, concisa, simples e firme, contribua para a precisão das decisões judiciais. E que a depuração destas, através da eliminação de tudo o que é desnecessário, dê palco, no momento do enquadramento jurídico dos factos, à análise das nuances do caso concreto. Isto é, dê palco à verdadeira fundamentação exigida pela Constituição.

Acresce que muitas das virtualidades de clareza e simplificação da sentença contidas nas alterações ao Código de Processo Civil continuam a ser desaproveitadas, apesar de já terem mais de 10 anos. Acreditamos que este é um momento privilegiado para as repor em foco e apelar ao integral cumprimento do quadro legal há muito instituído.

Por último, é preciso deixar de recear fazer uso da autoridade que nos é reconhecida para identificar, interpretar e aplicar a lei ao caso concreto e passar a exercer em plenitude os nossos poderes-deveres.

O apelo é, pois, como sempre, o apelo à/ao juíza/juiz responsável e consciente da exigência a que, numa sociedade democrática, o uso da autoridade obriga. 

III – O MEENOS e os princípios da linguagem clara

O conceito fundamental da compreensibilidade em que baseamos as “Recomendações” está contido na tradução portuguesa da ISO (International Organization for Standardization) 24495 1 publicada pelo Instituto Português de Qualidade em 2024.

De acordo com aquele conceito, compreender a informação fornecida é, no caso das decisões judiciais, entender o seu conteúdo e as suas consequências, bem como os argumentos determinantes do decidido.

Para tal, é preciso, em primeiro lugar, que os leitores encontrem facilmente a informação que procuram: em causa está a legibilidade e a facilidade da consulta.

Essas qualidades alcançam-se através da construção da estrutura e da subestrutura das decisões, designadamente, através de aspetos formais (como, por exemplo, a numeração, o uso do negrito para destacar elementos relevantes e palavras-chave que ajudam a guiar a leitura) e convencionais (convenções tipográficas e visuais).

O grupo de trabalho dedicado ao legal design e à uniformização de um layout está a desenvolver uma aplicação para a uniformização do estilo tipográfico e a sua integração automática a partir de documentos Word (ver documento I). Esta ferramenta será implementada através do Citius, dependendo, por isso, da disponibilidade do IGFEJ.

A compreensibilidade das decisões pressupõe, em segundo lugar, a qualidade da escrita e a adequação das características linguísticas e de estilo da decisão judicial aos seus vários destinatários (aqui se destacando o caso dos destinatários vulneráveis – por exemplo, crianças e idosos).

Assim, com a colaboração de juristas e linguistas, elaboramos um documento que contém orientações linguísticas e de estilo, abertas a revisões e alterações periódicas (ver documento II).

Por último, mas não menos importante, a compreensibilidade das decisões pressupõe a boa estruturação da sentença e a transparência do discurso argumentativo, o que, designadamente, passa por reduzir a extensão das decisões e trabalhar a conexão entre a matéria de facto assente e a solução jurídica. Avançamos, por isso, com um outro documento com recomendações a propósito, aplicáveis a todas as jurisdições (ver documento III).

Estes dois grupos de recomendações estão, agora, disponíveis para consulta e apresentação de observações e sugestões.

Neste projeto acreditamos que o envolvimento da magistratura é a chave para a progressiva alteração da cultura judiciária prevalecente, a tal do “estilo barroco”, que a todos/as – cidadãos, magistratura e sistema judicial – prejudica. Ponderaremos, pois, todos os contributos que forem dados pelos colegas, aproveitando-os sempre que possível.

Ponderados os contributos recebidos, as “recomendações” serão apresentadas para apreciação ao Conselho Superior da Magistratura. A sua aprovação será a garantia de que este movimento não tem retorno e que o empenho em tornar clara a Justiça continuará a ser fortemente valorizado. 

📑 Leia as recomendações e propostas

📬 Contribua para uma Justiça mais clara

O Projeto MEENOS nasceu de um compromisso com a clareza, a simplicidade e a eficácia na linguagem das decisões judiciais. Pretende-se construir, com os/as juízes/juízas, um modelo de comunicação mais transparente e próximo dos cidadãos, sem prejuízo do rigor jurídico que nos define. Nesta fase, abre-se espaço à participação de todos/as os/as juízes/juízas. Se leu os documentos e tem sugestões, dúvidas, críticas ou ideias, deixe aqui o seu contributo. O formulário é anónimo. Todas as propostas serão analisadas com atenção e ponderadas no aperfeiçoamento dos documentos apresentados.