Abertura do ano judicial de 2025 destaca desafios e reformas necessárias para a Justiça
A cerimónia solene de abertura do ano judicial realizou-se ontem, dia 14 de janeiro, no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), assinalando o ano de trabalho na Justiça que se iniciou com a entrada em 2025. O evento contou com as intervenções das mais altas figuras da Justiça e do Estado, incluindo o presidente do STJ e do Conselho Superior da Magistratura (CSM), João Cura Mariano, a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda Almeida Pinheiro, assim como o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
O juiz conselheiro João Cura Mariano, que discursou pela primeira vez nesta cerimónia enquanto presidente do STJ e do CSM, destacou a importância da abertura do ano judicial como símbolo do diálogo entre os diversos poderes do Estado. No seu discurso, sublinhou a urgência de uma reforma profunda e estrutural do sistema de justiça, assinalando como prioridades imediatas a revisão dos regimes de ingresso nas magistraturas e de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, bem como alterações aos Códigos de Processo Penal e Civil.
“Após um longo período de inação, há uma extensa reforma por fazer. É necessário inaugurar uma era de reformismo permanente”, afirmou. Apontou ainda para os desafios colocados pela falta de magistrados e funcionários judiciais, alertando que cerca de 600 juízes se deverão reformar nos próximos seis anos, o que exige uma resposta célere para assegurar a continuidade do funcionamento dos tribunais.
O presidente lamentou a lentidão na concretização de medidas essenciais, questionando a “inércia política” na implementação de alterações legislativas fundamentais para modernizar o sistema. Apesar das críticas, elogiou o “diálogo profícuo” mantido com a ministra da Justiça nos últimos meses.
Fernanda Almeida Pinheiro, Bastonária da Ordem dos Advogados, abriu a cerimónia com críticas à recente revisão do estatuto da classe e aos valores pagos pelos serviços de advogados oficiosos, que considerou desatualizados e inadequados. Reforçou que “uma advocacia livre e independente é um pilar essencial da democracia” e apelou a uma maior proteção social para os profissionais.
Amadeu Guerra, que também se estreou nesta cerimónia enquanto procurador-geral da República, apontou a falta de autonomia financeira da Procuradoria-Geral como um dos principais constrangimentos à celeridade e eficácia do Ministério Público. Alertou para a dependência de entidades tuteladas pelo Ministério da Justiça e sublinhou que apenas uma gestão autónoma de recursos permitirá melhorar o desempenho da justiça.
O PGR destacou ainda como prioridades o combate à violência doméstica, à criminalidade económica e à cibercriminalidade, apontando a carência de recursos humanos como um obstáculo significativo à eficácia do sistema judicial.
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, centrou a sua intervenção na necessidade de colocar as vítimas de crimes no centro do sistema judicial, destacando o caso recente de Alcinda Cruz, uma mulher vítima de violência doméstica. “As vítimas devem ocupar um lugar cimeiro no sistema judicial”, afirmou, sublinhando o compromisso do Governo com a prevenção e combate a este tipo de crime, bem como aos crimes económicos e financeiros que também destroem vidas.
A governante apresentou medidas implementadas em 2024, como a tramitação eletrónica no processo penal, que considera ter contribuído para a eficiência do sistema, e anunciou a criação de um grupo de trabalho para combater expedientes dilatórios e promover a celeridade processual. Sobre o protesto silencioso dos oficiais de justiça que decorreu à porta do STJ durante a cerimónia, considerou-o uma forma legítima de manifestação, mas reiterou a determinação do Governo em resolver os problemas da classe de forma progressiva.
Por sua vez, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, anunciou uma reunião em fevereiro com os agentes do setor e grupos parlamentares para identificar medidas concretas de reforma. “Gostaria de extrair dez propostas simples que possam servir de base a uma revolução cultural na justiça”, declarou.
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, encerrou a cerimónia com um apelo à convergência entre os diversos atores políticos e judiciais para concretizar as mudanças necessárias na justiça. Marcelo Rebelo de Sousa destacou que o atual contexto, com novas lideranças no setor, representa uma oportunidade única para reformas. “Não desperdiçar tempo é um imperativo nacional”, afirmou.”
Lisboa, 14 de janeiro de 2025