Vice-presidente do CSM destaca autonomia tecnológica e desafios da transição digital na Justiça em intervenção na UMinho
O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, conselheiro Azevedo Mendes, participou no II Congresso Ibero-Americano sobre Direito e Tecnologias Digitais, dedicado ao tema “Estado de direito e transição digital”. Durante o painel subordinado a “Funcionamento do sistema de justiça e independência judicial – desafios ao Estado de direito diante da transição digital”, destacou a importância da autonomia tecnológica dos tribunais, da proteção de dados e da segurança das plataformas judiciais como pilares essenciais para garantir a independência judicial e reforçar a confiança pública.
No seu discurso, o vice-presidente sublinhou que a proteção de dados judiciais é central para garantir o segredo de justiça e salvaguardar os direitos fundamentais. Alertou ainda para os riscos de manter as plataformas tecnológicas sob controlo externo ao poder judicial, uma situação que pode comprometer a privacidade e a segurança dos dados processuais.
O juiz conselheiro referiu, como exemplo, a recente crise na Roménia, onde a centralização de sistemas tecnológicos judiciais sob a gestão do Ministério da Justiça gerou preocupações sobre o acesso a dados e a violação da independência judicial. Esta situação levou a uma declaração de princípios por parte do Conselho Executivo da Rede Europeia dos Conselhos de Justiça, reforçando a necessidade de que as decisões sobre tecnologias judiciais sejam tomadas com a supervisão do poder judicial (ver aqui).
O juiz conselheiro destacou os esforços do CSM na criação de estruturas como o ALTEC (saber mais aqui), que tem permitido maior eficiência na gestão de processos complexos e no desenvolvimento de soluções tecnológicas ajustadas às necessidades dos tribunais. Destacou ainda o papel desta estrutura na formação contínua de juízes em novas tecnologias, ao garantir que os utilizadores das novas ferramentas estão devidamente preparados.
O vice-presidente destacou ainda que a transição digital deve ser encarada como uma oportunidade para reforçar a autonomia do poder judicial, promovendo uma Justiça mais transparente, eficiente e alinhada com os princípios do Estado de direito. Reforçou ainda que a tecnologia deve ser utilizada de forma responsável, com uma supervisão clara e alinhada aos valores fundamentais da Justiça.
Contributos dos especialistas no painel
O painel contou ainda com apresentações de outros especialistas, que ofereceram perspetivas complementares sobre os desafios da transição digital no sistema de justiça.
O conselheiro Nuno Coelho, do Tribunal de Contas, enfatizou a importância de promover a autonomia tecnológica no sistema judicial, defendendo que a independência judicial deve ser acompanhada de accountability (prestação de contas). Sublinhou ainda que a tecnologia deve estar ao serviço da Justiça, mas sem substituir a supervisão humana. A inteligência artificial pode ser aplicada a tarefas repetitivas e no tratamento de dados, mas decisões judiciais exigem autonomia e responsabilidade humanas. Elogiou também a criação de novos departamentos pelo CSM, como o ALTEC, que exemplifica uma abordagem eficaz à modernização do sistema judicial.
A professora Joana Covelo Abreu, da Universidade do Minho, abordou o papel do Tribunal de Justiça da União Europeia nos processos de digitalização dos sistemas judiciais europeus. Destacou a necessidade de implementar soluções tecnológicas que respeitem a independência judicial e os direitos fundamentais, salientando os avanços feitos nos sistemas de Justiça da União Europeia neste âmbito.
Tiago Cabral, advogado e docente da Universidade do Minho, apresentou três pontos fundamentais para a utilização responsável de inteligência artificial na Justiça. Apontou a supervisão humana eficaz como essencial, destacando que os sistemas devem ser supervisionados por pessoas qualificadas, com formação adequada, autoridade para intervir e acesso a apoio técnico e de backoffice. Destacou ainda a prestação de informações e a certificação rigorosa dos sistemas, para minimizar riscos como a fuga de dados, conforme a Lei n.º 58/2019.
O professor Paulo Novais, da Escola de Engenharia da UMinho, apresentou uma comunicação subordinada ao tema “Digital transformation na AI – Opportunities and Challenges (for the Law)“. Focou-se nas potencialidades da inteligência artificial para melhorar a eficiência da Justiça, mas alertou para os desafios éticos e legais que estas tecnologias apresentam.
Lisboa, 3 de dezembro de 2024